Crítica - Coringa (COM SPOILERS) - Engenharia do Cinema
Normalmente faço análises dessas proporções (com e sem spoilers), se denoto que o longa realmente vale a pena ser mais aprofundado. O que é o caso de “Coringa”. Como estamos falando de um longa repleto de reviravoltas e detalhes técnicos que preparam terreno, vi necessário desenvolver este texto. Por isso, tudo o que você ler daqui pra frente, é por sua conta e risco.
“Coringa” mostra a história de como Arthur Fleck (Joaquim Pheonix) se tornou o temido palhaço do crime e um dos maiores vilões das HQs da história, e agora do cinema. Mas porque me refiro perante a isso? Digamos que o roteiro e direção de Todd Phillips procura fazermos adentrar na pele do vilão com um único propósito: deixarmos nossa mente pensar como a dele, transformando tecnicamente nós como os “verdadeiros” vilões.
O aspecto acinzentado, sujo e degradante de Gotham nos faz adentrar ainda mais e fazer um parâmetro cada vez mais profundo com realidade. Como nós temos um protagonista que possui uma doença pesada (o longa não fala qual, deixando a interpretação cair a nosso colo), a retratação da mesma é pesada não pelas atitudes, mas pelos diálogos transcritos por ele. Com base nestes argumentos, duas tramas paralelas são desenvolvidas: se ele é realmente meio irmão de Bruce Wayne e seu namoro com sua vizinha Sophie (Zazie Beetz). A todo momento o longa nos convence que são arcos normais, e acabamos esquecendo que estamos abordando um personagem doente. Eis que quando ocorrem as revelações de que tudo é da mente de sua mãe e dele, respectivamente, vemos o quão o roteiro acertou em cheio por não nos entregar isso antes, através de pequenos detalhes (acredite, isso não ocorre).
Os mais cinéfilos detectarão referências claras aos estilos de Stanley Kubrick (“Laranja Mecânica”), Martin Scorsese (“Taxi Driver” e “O Rei da Comédia”), David Fincher (“Clube da Luta”), aos trabalhos do ator Charles Chaplim (a cena dele assistindo a uma Premiere de “Tempos Modernos”, é sensacional) e o clássico “Um Estranho no Ninho”, que são mesclados para conceber a trajetória do personagem. Essas referências são claras, porém citar algumas em uma analise sem spoilers, acaba sendo um próprio (por isso não citei todas, no texto primário). Elas também causam o efeito de estarmos assistindo a uma produção dos anos 70/80, época pelo qual estes filmes foram feitos, e quando o próprio “Coringa” se passa.
Agora sobre a questão da violência ter sido um gatilho certeiro, principalmente na sequência onde ele assassina o colega de trabalho, deixando o anão viver, ter se tornado engraçada. Phillips literalmente fez com que nós espectadores adentramos a mente maniaca e fria de Arthur, bem antes, e quando ele tomou atitudes descabíveis nós achamos graça, pois já “estamos pensando como ele”.
O mesmo já não ocorre quando começa o arco que antecede a morte do apresentador Murray Franklin (Robert De Niro). Porque já naquele momento ele já virou o Coringa, não está mais em fase de construção. Nós espectadores já estamos na mente dele e vemos o quão frio e cruel ele se tornou, deixando tudo em prol da narrativa. O final é visto de uma maneira um tanto que poética, como se fosse um espetáculo. Porém não sabemos se era realmente real ou não, datada loucura que o Arthur aderiu.
Volto a repetir, “Coringa” entrou para a história do cinema como um dos maiores e melhores longas já realizados. Que venham os Óscares.
Gabriel Fernandes: Engenheiro de Computação, Cineasta, Critico de Cinema e agora Radialista na Rádio RVD, resolveu compartilhar seu conhecimento sobre cinema com todos aqueles que apreciam essa sétima arte.