Entrevistamos Waldemar Dalenogare Neto, único brasileiro votante do Critics Choice Awards - Engenharia do Cinema

publicado em:1/03/21 11:53 AM por: Gabriel Fernandes CinemaEntrevistasNotícias

Waldemar Dalenogare Neto. Para muitos este nome pode parecer estranho, mas na comunidade cinéfila ele cada vez mais vem ganhando carinho e atenção por um simples motivo: é o primeiro e único brasileiro membro do Critics Choice Awards (premiação termômetro do Oscar). Nascido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, atualmente reside nos EUA (onde trabalha como crítico de cinema, pesquisador e professor) e além de fazer parte de uma das premiações mais importantes do cinema, ele também ingressa a Academia Brasileira de Cinema, Online Film Critics Society (OFCS), Film Independent e Diretor da CINESOV (Centro de Estudos do Cinema Soviético).

Mas não é apenas de cinema que Waldemar vive, pois ele é Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e ainda escreveu seis livros já publicados (quatro sobre cinema, dois sobre política). Porém tudo mudou quando ele criou seu canal do Youtube, rotulado de Dalenogare Críticas (que está quase chegando aos 100 mil inscritos), onde desde 2019 apresenta resenhas diárias sobre os mais diversos longas.

Fã de Clint Eastwood (cujo poster de “Por Um Punhado de Dólares” faz parte de seu cenário), ele ainda faz lives semanais aos sábados à noite (quase sempre às 19 horas) para debater o mercado cinematográfico com todos presentes. Sempre gentil e atencioso com todos, ele topou compartilhar suas trajetórias e opiniões conosco.

Engenharia: Você é o primeiro brasileiro a entrar como votante no Critics Choice Awards, considerado um dos termômetros do Oscar. Como surgiu essa oportunidade?

Waldemar: Durante o ano de 2019 tive a oportunidade de ampliar o meu acesso nas sessões fechadas para a crítica dos Estados Unidos. Fiz amizade com muitas pessoas do meio – alguns membros do Critics Choice, inclusive. Certo dia, em uma sessão, um colega falou que eu deveria tentar entrar na associação, já que faço um trabalho específico sobre filmes, com publicações sobre lançamentos, etc. Fiquei com isso na cabeça e decidi tentar. Até mesmo para o pessoal do Critics foi uma novidade, pois eles estavam acostumados a receber, no máximo, pedidos de filiação de pessoas que publicam conteúdo em língua espanhola.

Eu tinha duas alternativas: desistir do processo ou seguir, mesmo sabendo de possíveis dificuldades. Demorou bastante até receber uma resposta. A organização é extremamente profissional, levou em conta meu histórico, publicações. Quando recebi a notícia, fiquei muito contente, não sabia o que falar. Sempre tive esse sonho, parecia um objetivo distante. Mas consegui!

Imagem: Instagram (Divulgação)

Engenharia: Seu canal começou a bombar mesmo com a crítica a respeito do horrendo longa “Cats”, no final de 2019. Como começou essa sua trajetória comentando não só filmes, mas como o mercado de cinema nos EUA e as diversas premiações que ocorrem?

Waldemar: Comecei a publicar conteúdo escrito sobre cinema em 2011, em alguns blogs. Depois decidi reunir todo material em um site pessoal. Durante a minha jornada acadêmica, da graduação até o doutorado, o tempo é precioso. Na época, focava apenas em escrever críticas e artigos para publicações com QUALIS da Capes. No último ano do meu doutorado, como a minha tese estava bem avançada, decidi fazer alguns vídeos para o Youtube. Apesar de estar acostumado a dar aulas, a produção de vídeos é bem diferente. Você tem que cuidar para não criar algo extremamente restritivo. Sempre penso nisso. E, sem dúvida alguma, a visibilidade que o Youtube oferece é enorme.

Apesar de ainda ter um canal relativamente pequeno, fico muito feliz pois sei que tenho um público bastante engajado, que curte discussões sobre premiações e crítica. Nos Estados Unidos já tive a oportunidade de trabalhar no Oscar, e o networking foi bem importante e realmente me ajudou bastante a ter noção não apenas de como funciona a temporada de premiações, mas também sobre o mercado de distribuição. Tento compartilhar isso no canal.

Engenharia: Em um dos seus vídeos, você havia comentado que já esteve em uma cerimônia do Oscar e sentiu um certo “descaso” por parte do Brasil, inclusive você já deixou claro em vários vídeos que os membros da Academia não conseguem gostar dos filmes enviados pelo Brasil, nos últimos anos. Como você acredita que nosso país possa trabalhar estas questões, para conseguir ser indicado (até mesmo no Critics), mesmo tendo jogado fora a grande chance com “Bacurau”?

Waldemar: Infelizmente o processo de seleção de filmes no Brasil é horrível. Funcionaria muito bem na década de 1990, mas não atualmente. Precisamos profissionalizar, e o que o Brasil faz atualmente é uma grande reunião de amigos: cafezinho, bate papo e um filme é escolhido. Descarta-se, com isso, toda questão sobre visibilidade internacional. Já falei com alguns membros da Academia Brasileira de Cinema e também digo sempre no canal que nós precisamos realmente ter uma comissão formada por profissionais, mas com método profissional.

No Brasil é comum ver pessoas na comissão com profundo conflito de interesse, que tentam favorecer filmes de amigos, etc. Minha sugestão é simples: transparência total durante a formação da comissão. Até mesmo quem é membro da Academia Brasileira de Cinema não sabe muito bem como funcionam as coisas nos bastidores. Além disso, membros externos são convidados: mas qual o critério? Como evitar conflitos de interesse? A partir disso poderíamos pensar em buscar a inspiração de países que modificaram toda estrutura de seleção. Alemanha, Itália e França são bons exemplos.

Nossos vizinhos do Chile e da Colômbia também adotaram comissões profissionais e tiveram reconhecimento. O método que eu proponho é da criação de uma pré-lista de três filmes brasileiros, onde a comunidade de cinema pode fazer uma discussão de altíssimo nível sobre o potencial destes nos Estados Unidos. No Brasil, a seleção de um filme no Oscar dura cerca de duas ou três horas. Em outros países, demora um mês, pois existe interesse em levar em conta questões de mercado, etc. Torço para que algum dia essas ideias – que parecem tão simples – sejam colocadas em prática.

Engenharia: Fugindo um pouco sobre a questão de premiações e sua carreira, no Brasil os cinéfilos colecionadores de filmes em mídia física estão sofrendo enorme descaso por parte das lojas que estão deixando de lado o mercado citado. Enquanto muitos alegam que isso é em decorrência aos serviços streaming, em vários países (inclusive nos EUA), este mercado continua firme e forte. Pelo que você observa e ouve nos EUA, como você interpreta esta questão? Será que mesmo com a crescente quantidade de serviços streaming surgindo, esse mercado poderá ser extinto no mundo?

Waldemar: Nos EUA existe uma comunidade ativa de colecionadores. Em determinadas cidades, como Nova York, é comum encontrar lojas especializadas em venda e troca de VHS, por exemplo. A grande questão é que esse mercado representa um nicho. Será que daqui dez anos existirá o mesmo apelo? Sou um grande defensor da mídia física especialmente pelos trabalhos extraordinários feitos por empresas como Criterion e Kino, que produzem conteúdo adicional de alto nível e trilhas comentadas. E os serviços de streaming realmente não se atualizaram nesse sentido – o conteúdo complementar é raro e limitado. Meu maior medo, e que colocaria em risco o mercado de mídia física, seria justamente a falta de interesse da nova geração de cinéfilos, que já está sendo criada no streaming.

Gabriel_Fernandes

Gabriel Fernandes: Engenheiro de Computação, Cineasta, Crítico de Cinema, resolveu compartilhar seu conhecimento sobre cinema com todos aqueles que apreciam essa sétima arte.



A última modificação foi feita em:março 9th, 2021 as 18:46


Post Tags

Engenheiro de Computação, Cineasta e Critico de Cinema, resolveu compartilhar seu conhecimento sobre cinema com todos aqueles que apreciam essa sétima arte.


Comentários



Adicionar Comentário