Crítica - Napoleão - Engenharia do Cinema
A história de Napoleão Bonaparte tem sido estudada há anos, para ser levada aos cinemas. Em meados dos anos 70, o cineasta Stanley Kubrick chegou a idealizar um filme sobre ele (sendo estrelado por Jack Nicholson e Audrey Hepburn como Joséphine), mas teve seu planejamento barrado por conta do fracasso de “Waterloo” (dirigido por Sergei Bondarchuk e que englobava um arco similar).
Além do investimento ter sido considerado de risco (uma vez que ele idealizava sequências de ação com batalhas e cenários totalmente realistas), o projeto ficou engavetado, sendo revisto por Steven Spielberg nos últimos anos (que já comentou estar desenvolvendo uma minissérie com base neste roteiro, para a HBO).
Apesar deste cenário envolvendo um dos grandes nomes do cinema, o veterano cineasta Ridley Scott resolveu mostrar a sua perspectiva da história de Napoleão Bonaparte. Conhecido por não ser cuidadoso com contextos históricos na maioria das suas obras épicas (vide “Êxodo” e “Cruzada”), em “Napoleão” ele comete os mesmos erros e acaba resultando em um filme problemático e estranho.
Image: Apple TV+/Sony Pictures (Divulgação)
A história tem como pontapé inicial o cenário caótico que a França estava enfrentando, durante a Revolução Francesa, depois da queda de Maria Antonieta (Catherine Walker). Eis que o comandante militar Napoleão (Joaquin Phoenix) começa sua jornada, ao mesmo tempo quando se apaixona por Josephine (Vanessa Kirby).
Image: Apple TV+/Sony Pictures (Divulgação)
O roteiro de David Scarpa (que já trabalhou com Scott em “Todo o Dinheiro do Mundo”) procura ter como grande ponto central a relação entre Napoleão e Josephine, enquanto deixa as batalhas e conquistas do próprio para um segundo plano. Isso poderia funcionar, se ele não optasse por realizar algumas mudanças bruscas não apenas na relação de ambos, como em alguns contextos históricos (e não são resumidos apenas por datas trocadas).
Até hoje, muitos alegam que a história de amor entre ambos é uma das mais belas da humanidade, porém o que é visto aqui no filme de Scott é nada mais que um conjunto de arcos que nos faz ter mais desafeto por Josephine, do que pelo próprio Napoleão (que acaba virando um verdadeiro banana, diante das traições dela).
Tanto que no quesito de atuações, realmente não há algo muito grandioso de Pheonix e Kirby, uma vez que o próprio roteiro os desenvolve apenas de forma operante, não indo muito além do que é proposto. Se forem indicados para alguma premiação, será por campanha massiva da Apple ou “falta de opções melhores”.
Em contrapartida, como essa questão acaba tirando um pouco do teor moral do próprio Napoleão, não sentimos a sua presença em momentos cruciais (como algumas batalhas de dominação pela Europa). É o famoso “o público sabe que ele era importante, mas este filme não procura mostrar isso”. Realmente, uma pena.
Custado cerca de US$ 200 milhões (R$ 978.90 milhões) para os bolsos da Apple (que posteriormente lançará o longa em sua plataforma, assim como o recente “Assassinos da Lua das Flores”), fica explícito que Ridley Scott honrou o orçamento que lhe foi colocado na mesa. Existe um cuidado no design de produção, figurino e cenas de ação com mais efeitos práticos (e CGI usado de maneira homeopática).
Porém, fica nítido que houveram cortes bruscos no longa, pelos quais alguns personagens aparecem jogados, outros simplesmente não são devidamente abordados como deveriam. Inclusive, depois dos 90 minutos de projeção, isso fica bastante nítido. O que fará muitos espectadores esperarem pela versão de quatro horas, que será lançada nos próximos meses na Apple TV+ (que já foi confirmado pelo próprio Scott).
Embora não acabe entrando no Oscar como melhor filme e diretor, provavelmente terá alguma participação nestas categorias citadas. Inclusive, o prólogo do longa é uma das melhores coisas já feitas por Scott, nos últimos anos (tamanho impacto que é transposto, em poucos minutos de projeção)
“Napoleão” acaba sendo um típico caso de filme histórico, totalmente prejudicado por péssimas decisões do seu roteiro.