Crítica | 'Todos Nós Desconhecidos' mostra como se contar uma história reflexiva, de forma sutil - Engenharia do Cinema
Apesar de ter feito um considerável sucesso lá fora, inclusive com seis indicações ao BAFTA (incluindo em filme e direção), “Todos Nós Desconhecidos” chegou de forma bastante tímida aos cinemas nacionais. Por se tratar de uma produção da Searchlight Pictures (uma das divisões da Disney), se há este tratamento, existem chances de ser um título ótimo. Felizmente, isso não só acontece, como é um filme que coloca o espectador dentro da trama e nos faz refletir junto ao protagonista.
Imagem: Searchlight Pictures (Divulgação)
Baseado no livro “Strangers”, de Taichi Yamada, a história é centrada no roteirista Adam (Andrew Scott), que está escrevendo uma nova trama inspirada na vida dos seus próprios pais (Jamie Bell e Claire Foy) que faleceram quando ele era criança. Enfrentando uma enorme crise criativa e pessoal, ele acaba conhecendo o misterioso Harry (Paul Mescal), ao mesmo tempo que começa a ter reencontros com seus finados pais em sua antiga casa de infância.
Imagem: Searchlight Pictures (Divulgação)
O cineasta Andrew Haigh (que também foi responsável pelo roteiro) é extremamente sutil para representar o vazio na vida de Adam. Nos primeiros minutos o trabalho de mixagem de som foca nos ruídos de quando ele está comendo, trabalhando, mexendo nas coisas, sem ser interrompido por diálogos do próprio ou uma trilha sonora exagerada.
Quando Harry entra em cena, este recurso diminui e começa a surgir uma trilha sonora leve, somada a uma fotografia com tonalidades vermelhas e azuis (representando a paz e o amor na vida do próprio Adam). Enquanto no arco envolvendo seus pais, estas caem para um tom mais amarelado (remetendo a conforto e nostalgia).
Nestes ambos momentos, vemos o quão Andrew Scott é um excelente ator, pois em dado momento ele é um adulto vivendo um relacionamento de descobertas com Harry, já em outro volta a ser uma criança de 12 anos que está vivenciando momentos que não chegou a ter com seus pais.
Inclusive, o grande destaque é a naturalidade nas situações onde ele conta, em momentos distintos, para seus pais sobre o fato de ser homossexual. Com reações distintas, ambos representam todo aquele sentimento vazio que precisava ser solto por Adam. Mérito também vai para Foy e Bell, que também estavam ótimos nestas cenas.
Quanto ao seu envolvimento com Harry, ele vivencia algumas dúvidas e receios que há em relação a assumir um relacionamento homoafetivo, diante do fator timidez e aceitação. Embora o título não foque nisso, Mescal soa apenas como uma muleta nesta história que é mais voltada para o relacionamento entre um filho e seus pais.
A única coisa que o próprio Andrew Haigh erra, é colocar uma trilha sonora melodramática, para julgar os sentimentos não só neste momento, como em boa parte da produção. Isso realmente não era necessário (já que os diálogos eram ótimos).
“Todos Nós Desconhecidos” vira uma ótima surpresa neste começo de ano, e é uma aula de aspectos técnicos em vários sentidos.