Entenda o filme 'Tipos de Gentileza' - Engenharia do Cinema
Na época que a atriz Emma Stone estava prestes a ganhar seu segundo Oscar por “Pobres Criaturas”, foi anunciado que a quarta produção realazentre ela e o cineasta Yorgos Lanthimos (cuja parceria já rendeu o longa “A Favorita” e o curta “Vlihi”) estava finalizada e chegaria aos cinemas dentro de alguns meses.
“Tipos de Gentileza” é o título mais reflexivo e pensativo do diretor grego, que volta a suas origens de “O Lagosta” e “O Sacrifício do Servo Sagrado”. Dividido em três histórias com ênfase na bizarrice do ser humano, elas são interligadas pela presença do personagem R.M.F (Yorgos Stefanakos).
A primeira história, rotulada como “A Morte de R.M.F.”, mostra a rotina de um homem (Jesse Plemons) que vive em função das ordens abusivas de seu chefe (Willem Dafoe). Tudo começa a desabar na relação entre a dupla, quando ele se nega a bater o carro fortemente em outro veículo, em que está o próprio R.M.F.
Em “R.M.F está voando”, um policial (Plemons) tem sua esposa (Stone) desaparecida por dias. Após ela ser resgatada e retornar para casa, ele passa a perceber que provavelmente não é a própria. Neste enredo, R.M.F. é um piloto de helicóptero responsável pelo salvamento da protagonista.
Na terceira trama, sob o título de “R.M.F come um sanduíche”, uma mulher (Stone) tenta encontrar uma pessoa divina que encontrou em um sonho, cujos poderes podem fazer o próprio R.M.F. renascer. Ao mesmo tempo, ela segue em um grupo espiritual fanático comandado por um guru exentrico (Dafoe).
Sem explicar quem é o tal de R.M.F., mesmo que os títulos sutilmente falem o que acontece com ele, percebemos que este é o único personagem que está presente da mesma caracterização, nas três histórias.
Pesquisando mais a fundo, vemos que a sigla em inglês significa Risk Management Framework (em tradução literal “Estrutura de Gerenciamento de Risco”), pela qual trata-se de um projeto padrão dos EUA para proteger sistemas de informação desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia. Em outras palavras, ele está em cena para colocar os personagens em uma bolha, com o intuito de explanar seus comportamentos.
Nisso, o R.M.F. estabelece uma ligação entre esses contextos com o intuito de demonstrar estas “gentilezas”, por intermédio da inserção dos pecados capitais no perfil dos sete atores centrais (Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Hong Chau, Margaret Qualley, Joe Alwyn e Mamoudou Athie).
Mesmo que em um primeiro momento as histórias não façam sentido algum, se refletirmos a fundo o contexto, vemos que o propósito é mostrar que tudo está interligado e movido pelos desejos sexuais dos protagonistas (o que justifica a censura 18 anos).
Com comportamentos que beiram a BDSM (Bondage, Disciplina, Sadismo, Masoquismo), pelos quais alguns deles ficam nítidamente explícitos, como na cena da segunda trama, onde três personagens assistem uma cena de sexo grupal, enquanto na primeira produção, temos a confirmação que se trata exatamente disso, só na última cena.
No meio desta jornada, a sensação de desconforto é ainda pior por conta da trilha sonora de Jerskin Fendrix, que cujas notas e vozes gritantes transparecem o quão incômodas são as situações apresentadas. Por conta disso, o recurso pode até ser definido como um coadjuvante.
Como uma das marcas de Lanthimos é o estilo nonsense (um humor que não faz sentido algum), há situações pelas quais nos questionamos se é o famoso “é para rir ou chorar”. Um exemplo claro é no segundo curta, onde a personagem de Emma resolveu abraçar a ideia do marido, de cortar partes de seu corpo para o próprio comer. Só que ela não sabia, que seu cônjuge optou por deixá-la ir ao seu lado mais extremo para comprovar se era ou não a sua esposa.
Por fim, “Tipos de Gentileza” se mostra como uma crônica ácida e reflexiva, que nos faz pensar como os seres humanos são pobres criaturas.