Adaptação de 'Avatar: The Last Airbender' esvazia o rico universo do material original - Engenharia do Cinema

publicado em:25/04/24 3:07 PM por: Gabriel Fernandes CríticasNetflixSériesTexto

Por Nattan Frade Alves

A aguardada adaptação lançada pela Netflix trouxe uma nova abordagem para a obra, pela quais possuem características que não são transmitidas apenas com bons efeitos visuais, mas também pela ótima interação entre os personagens e a naturalidade da vida que os cerca, os animais, as roupas que cada tribo mantém em sua cultura, a filosofia de cada estilo de combate a partir das dobras, a própria arquitetura de cada região possui relevância para modo de vida dos habitantes de seus reinos e é claro a riqueza dos personagens e seus conflitos.

Aang não é um personagem fácil, pois ele é um garoto empolgado mas ao mesmo tempo o portador de um peso sem medida sendo o Avatar, que o faz carregar fortes traumas mas leva a vida de maneira leve. Em suma, não é tarefa fácil trazer essa obra para um novo formato se não houver o devido comprometimento na retratação das nuances que compõem esses personagens.

No primeiro episódio da animação o contexto inicial que temos está na abertura “Água, terra, fogo, ar, há muito tempo as nações viviam em paz e harmonia e aí tudo isso mudou quando a nação do fogo atacou, só o avatar domina os quatro elementos e pode impedi-los, mas quando o mundo mais precisa dele ele desaparece, 100 anos se passaram e meu irmão e eu descobrimos o novo Avatar, um garoto dominador de ar…”

A partir daí as explicações necessárias já foram dadas e a jornada começa, com leveza e alegria Aang nos guia por esse mundo enquanto amadurece como pessoa e amadurece como avatar para compreender que os dois são um só, lidar com essa responsabilidade é fundamental para o personagem, explorado com calma em provações que vão chegando aos poucos com a naturalidade do trajeto que percorrem.

Os dramas de Sokka e Katara estão atrelados pela falta que seu pai faz na vida deles obrigando o primeiro a crescer rápido demais e ser o protetor de sua vila, então ele se coloca a frente, validando-se acima de sua irmã por ser o homem e o mais velho, enquanto a segunda nasce com as habilidades de dobra d’água, tentando treiná-las mas é repreendida por seu irmão que teme um novo ataque da nação do fogo.

Essas são as características base dos personagens no início do desenho, mas na série parece querer ter um rumo diferente, não que fosse uma ideia intrinsecamente ruim, mas é indiscutivelmente um caminho mais arriscado.

Na adaptação da Netflix a narrativa parece querer se impor sobre o espectador, pois quer que você acredite que ela é “grandiosa” e o que está acontecendo naquele mundo é “importante”. Logo a trama quer apresentar os eventos mais importantes o mais rápido possível cometendo sérios erros durante o percurso.

Nisso, vemos todo o flashback que explica sobre o templo do ar em que Aang cresceu, o complexo que de ter recebido as marcas dos monges do ar bem cedo, mas não temos um protagonista alegre, divertido, que contrapõe a seriedade de seu destino, temos um protagonista muito mais melancólico, “pesado”, aquele que nos guiaria com leveza pelo enredo não cumpre esse papel.

A crise chega quando Aang sai para espairecer voando em Appa (seu bisão voador), o que é muito estranho, já que no material original ele foge, e quer escapar de suas responsabilidades. Sinceramente não entendo porque a série removeu o peso da decisão crucial, que definiria o trauma principal do nosso protagonista, colocando algo tão banal no lugar.

Imagem: Netflix (Divulgação)

Nesse momento vemos a nação do fogo destruindo o templo e assassinando os monges do ar nos mostrando como funciona o combate entre dobradores, são boas cenas de ação com efeitos visuais indispensáveis.

A partir daí a história começa semelhante ao modelo que já conhecemos, com Katara e Sokka encontrando o Avatar congelado depois de 100 anos desde esse evento.

Sokka também sofreu uma mudança bem relevante sobre seu personagem, o seu machismo foi totalmente removido, logo todas aquelas piadas hilárias que tínhamos no desenho se foram infelizmente, mas o grande problema é que todo o desenvolvimento que o personagem sofre quando entra em contato com as guerreiras kyoshi é completamente anulado.

O que temos no lugar disso é um show de vergonha alheia, aqui o desprendimento foi grande devido a atuação tenebrosa que seguem essas cenas. Katara não fica de fora de decisões estranhas, já que seu humor foi muito mais amenizado em uma garota pacata demais, e não vemos aqueles momentos de explosão da personagem, e é quase como se ela estivesse lá por estar, muito mais contida do que deveria ser.

Imagem: Netflix (Divulgação)

Um dos únicos que se salvou foi Zuko, esteticamente a escolha de Dallas Liu encaixou bem, não ousou tanto e não se esqueceu dos detalhes fundamentais do personagem em sua relação com seu pai.

Uma outra decisão estranha foi a inserção de monólogos de personagem muito recorrentes ou declarações exageradas, às vezes parece que a direção não encontrou espaço para transpor completamente quem são esses personagens, então vemos falas como: “Eu sou aang, eu gosto de comer bolo de banana e brincar com meus amigos usando dominação de ar, esse é quem eu sou”, mas não vemos isso acontecer em tela, é quase como se o roteiro estivesse tentando mentir para você.

Uma das coisas que eu mais admiro no trabalho dos criadores Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko, é a noção de ritmo, pois você pode observar isso tanto na série animada de “Avatar: The last Airbender” quanto em “The Dragon Prince”, é como se o tempo passasse muito rápido quando estamos investidos nos universos criados por esses roteiristas mas isso não significa que sua narrativa é muito corrida, temos uma dosagem entre o que está acontecendo no presente e qual é a sua importância num escopo maior, não há pressa, o objetivo está lá não importa quantos lugares e pessoas vamos conhecer junto com esses personagens, infelizmente isso se perde na série, tudo passa depressa demais, sem tempo para a apreciação do presente e com esse maldito senso de grandeza constantemente.

Os elogios ficam para os figurinos, para os efeitos visuais, e para as cenas de ação que foram me mantiveram acordado, temos então um exemplo de como universos interessantes não são nada se não temos bons personagens nos guiando pelo fluxo da história que se propõe  a contar.

Infelizmente ainda não temos uma boa tradução de tudo que essa história pode proporcionar.



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Engenheiro de Computação, Cineasta e Critico de Cinema, resolveu compartilhar seu conhecimento sobre cinema com todos aqueles que apreciam essa sétima arte.


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